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O que sustenta o rio

Texto de Paulo Herkenhoff

Nascido no quilombo de Jamary dos Pretos em Turiaçu no Maranhão, Joelington Rios deixou seu vilarejo e veio diretamente para o Rio em 2017. “Vim diretamente para o Rio e sempre morei no Quilombo. Meus pais são lavradores, ambos trabalham na roça, plantam, colhem, e tiram deste processo todo o sustento da família. Meu pai, além de lavrador, é vaqueiro.”[1] Na memória da origem, em foto-reportagem por celular, Joelington Rios registrou o regozijo comunitário no “meu Quilombo” pela eleição de Rafael Ribeiro para o cargo de vereador. De sua produção, uma enternecedora cena de afeto e registro cultural em Jamary dos Pretos (2016) apresenta duas senhoras (“minha parteira e minha professora”) numa horta medicinal, no quintal da casa da dona Maria. São cenas auto-biográficas de um artista quilombola.

Quando decidiu morar no Rio, trazia ilusões vinculadas à natureza, ao charme da Zona Sul, a seus grandes personagens e à força simbólica da cidade. Desde 2018, o roteiro para elaborar sua série O que sustenta o Rio, pressupõe uma deambulação pela cidade em estado de questionamento, entre deriva e errância para demonstrar os desafios de viver na cidade. A série O que sustenta o Rio nasce do contato e da “experiência de corpo que se desloca e observa o que está ao redor,” escreveu Rafael Lopes em texto elucidativo, que as imagens de Rios “crônicas de uma cidade que ora vive de sua aparente estabilidade e paz e ora é sacudida pelas questões sociais inerentes a esse sistema que privilegia poucos em detrimento de muitos.” Por fotomontagem em preto e branco, Rios sobrepõe e ajusta graficamente a imagem do Redentor à cabeça de pessoas retratadas, quase anônimas, em situações ordinárias, como emblema de pertencimento à cidade do amor e das fricções. Para Joelington Rios, viver o Rio foi a experiência radical de descoberta transformadora de seu olhar sobre o centro, os subúrbios, as favelas, as praias como contrastes, asperezas, embates, exclusão. Para o dito “fotógrafo quilombola” o Rio ideal, a Cidade maravilhosa, colide com a crise estrutural de grandes segmentos da população, o apartheid social gritante, a vida nua, a realidade frictiva da marginalidade social. O Rio de Janeiro tem uma avançada antropologia urbana crítica de sua situação urbanística que espelha a estrutura sócioeconômica que divide a cidade entre morro e asfalto, por ordenamentos de classes sociais, bairros e grupos sociais. A interação se dá pelo trabalho e pela praia, por exemplo. O termo a cidade partida se disseminou em 1994 com o livro de Zuenir Ventura, malgrado tudo a cidade não deixa de ser amada e cantada, para o bem e para o mal, pois seus moradores, como os personagens de Joelington Rios trazem o Rio na cabeça. É o Rio de Rios.