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Um jardim para minhas avós

2019/2020
Instalação & fotografia

Em “Um jardim para minhas avós”, uso das flores, plantas de poder e do conceito de jardins como um canal condutor para acessar e [RE] configurar memórias e a presença das mulheres e avós que eu e minha família nunca tivemos contato, e outras que conhecemos e convivemos por um logo tempo.

Á minha primeira avó veio do continente africano e traga para o Brasil mantida como escrava, como uma espécie de erva, que era sagrada e foi arrancada de seu jardim e lugar de origem e plantada como tantas outras mulheres negras, em solos inférteis, pobres e sem nutrientes, sem nenhum cuidado e respeito, ficando à mercê de espécies pragas e fungos de um brasil escravagista e violento.

As mulheres negras sempre utilizaram dos saberes ancestrais das plantas não somente com a finalidade terapêutica ou medicinal, mas como canal condutor de acesso e deposito de memórias delas e dos seus, como tecnologia, usando-as como elemento de cura e preservação e manutenção da memória familiar entre suas gerações.

Tive contato com duas avós ao longo da vida, Catarina e Raimunda, uma avó paterna e outra materna, ambas já falecidas. Essas duas avós possuíam vários aspectos em comum, as duas tem origem no continente africano e viveram no mesmo quilombo no nordeste brasileiro, na floresta amazônica, um grande jardim tropical e místico, elas possuíam fortes relações com os saberes e poder das plantas, elas tinham nos quintais de suas casas jardins no quintal, onde plantavam ervas medicinais e algumas variedades flores e plantas de poder, usadas para remédios e indo além disso. Uma das memórias mais vivas que tenho das minhas avós percorre

entre a cozinha e o jardim, esses lugares possuem forte relações de pertencimentos e memorias entre as famílias quilombolas, uma vez que é também nesses espaços onde é feito as configurações e manutenções de suas existências e cuidado dos seus.

Minhas avós usavam das plantas entre os familiares, em caso de doenças ou necessidades de limpezas corporais e espirituais. As plantas e jardins feitos nos nossos quintais das minhas avós preservaram e preservam nossas memorias e lugares sagrados até os dias de hoje, ainda que elas não estejam mais entre nós, é através desses lugares e seres orgânicos, que temos acesso a suas memórias, saberes e pertencimento, entranhados e entrelaçados entre flores, ervas e objetos pessoais que elas deixaram.

Um jardim para minhas avós é um fio condutor, um portal de acesso através das plantas, das memorias e objetos de pertencimento que me levam até minhas avós que
não estão mais aqui, mas que habitam através de mim, das plantas, objetos e jardins em nossos quintais, acreditando que as plantas são guardiãs das nossas mais doces e cheirosas memórias, como uma espécie de grande rede condutora do que somos e fazemos parte.

O trabalho começou com a minha avó Catarina, fotografando-a em seu jardim, no quintal da sua casa, prestes a completar 100 anos de idade, em meu retorno para casa em 2019, antes da pandemia, para nosso quilombo no Maranhão, no nordeste do Brasil. Vovó Catarina faleceu esse ano, com 102 anos, deixando seus belos vestidos floridos e seu jardim, guardando fielmente suas memórias e presença. Atualmente tenho feito apropriações de imagens antigas, reinterpretações e coletas de objetos, confabulando imagens de avós que nunca conheci, usando novamente das plantas e da natureza como suporte de acesso. Em breve pretendo construir um jardim em meu quilombo no Maranhão, não somente como o está instalativa, mas como uma homenagem a todas as minhas avós.

*Quilombos são territórios de resistência formados por negros que eram mantidos como escravos no Brasil e que conseguiam fugir do regime de violência e escravidão